Guilherme Dotti, Monumental Pega em Angra do Heroísmo
Quando se vai para a última corrida das Sanjoaninas um certo sentimento de saudade já aperta... E assim foi no dia de São João! A Ilha Terceira marca todos os que a visitam em qualquer altura do ano mas por estes dias ainda mais! É um lugar onde o calor humano é tão forte quanto a paixão pelas tradições. O povo da Terceira e de Angra em particular sorri com o coração aberto, e a alma desta gente vibra com cada investida do toiro. A vida ali pulsa noutro ritmo, mais lento, mais verdadeiro, mais nosso, mais português! Nesta terra, onde o toiro bravo é rei, quem reina de verdade é o povo. Um povo de olhar firme e de coração genuíno. Gente com quem nos cruzamos na rua e diz “bom dia meu senhor” como quem oferece um pedaço de pão. Que abre a sua porta sem perguntar o nome, porque antes de ser forasteiro, já és amigo.Entre eles, o toiro não é apenas animal — é símbolo. É bravura, é sangue quente, é identidade. Crescem no a ver como figura nobre, respeitado, temido, admirado. Nos dias de festa, o povo vibra, não pelo espetáculo apenas, mas porque ali se celebra quem são. A arena é apenas um espelho — o que ali se passa é reflexo da alma desta terra.A Tertúlia Tauromáquica Terceirense todos os ano tem um empenho abrumador em montar a sua Feira, procura o melhor entre os melhores, monta para o aficionado sempre cartéis de grande interesse e resultado disso são as afluências de público à Monumental Praça de Toiros de Angra... Três casões de fazer inveja... Esta última de feira contou com 85% do aforo preenchido para assistir à tão aguardada corrida mista. Infelizmente o espectáculo não correspondeu às expectativas mas houve alguns motivos de interesse como um par de pegas do GFA de Vila Franca, duas lides sérias de Tiago Pamplona, detalhes de Escribano e muito querer agradar e triunfar de Emílio de Justos.
A pega do quarto da tarde foi quanto a mim o momento alto da corrida, Vasco Pereira escolheu para a cara deste toiro Guilherme Dotti e o que se viu na arena foi uma pega extraordinária que ficará gravada na memória de quem a presenciou. Saltou o Guilherme para a arena e brindou, o toiro não se mostrava franco e o seu comportamento durante a lide tinha sido reservado e assim foi na pega... Dotti citou com alma, mas o toiro media, parado e encampando. O forcado foi-lhe ganhando terreno e citando com uma calma abrumadora. O silêncio na praça era impressionante! Com firmeza e convicção, andava para o de Rego Botelho bonito, o toiro mirava... Guilherme bateu-lhe o pé em terrenos quase proibidos... os do toiro... Havia o pressentimento que ia ser uma pega de cara ou cruz... Citou novamente o Guilherme alto, peito aberto. Foi aí que o toiro, sem dar grande aviso, partiu com força, o forcado ainda lhe conseguiu sacar três passos, o encontro foi seco, por cima, duro. O toiro bateu com violência e tentou sacudir num derrote para cima. Dotti aguentou com alma e braços, uma grande primeira ajuda de seu irmão foi essencial para a pega se ter concretizado . O grupo entrou bem, muito bem — compacto, determinado, sem hesitações. A praça aplaudiu de pé pela lição ali vivida. Porque ali, naquela pega, estava tudo o que define a alma do forcado: entrega, alma, emoção, risco e união.
Abriu a tarde Miguel Faria, forcado da cara do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira, enfrentou um toiro que se mostrava também ele muito complicado, daqueles que não perdoam hesitações. Com bravura e alma à altura do desafio, Miguel entrou decidido, aguentou a investida dura e bruta, e fechou-se com garra, numa pega dura e de grande mérito. A coesão do grupo fez o resto, numa demonstração de união, técnica e coração, perante um oponente que pôs à prova toda a capacidade dos valentes vilafranquenses.
O cavaleiro Tiago Pamplona apresentou-se na Praça de Angra do Heroísmo com a habitual compostura e honradez. Deu lide a dois toiros que não lhe puseram as coisas fáceis em especial o primeiro. Lide de mérito esta, com muita dignidade, de entrega mais do que de triunfo. No seu segundo (toiro sobrero, já que o primeiro da tarde partiu um corno e foi devolvido aos currais depois do segundo comprido) a sua actuação cresceu e teve bons momentos de toureio a cavalo. Bem nos compridos, lidou com decisão, escolheu bem os terrenos e cravou ferros de grande mérito, diante de um toiro que média e não permitia deslizes. Não foi uma tarde sonhada e de glória, mas foi sim uma tarde de entrega e pundonor e de quem não vira a cara à adversidade. Sentiu o respeito do público que o acarinhou com ovações fortes.
Manuel Escribano teve uma passagem digna por esta praça, brilhou especialmente no tercio de bandarilhas, onde demonstrou valentia e domínio técnico. Desde o início, o toureiro de Gerena mostrou-se decidido a deixar a marca. Recebeu ambos os toiros de joelhos. Depois, andou variado com o capote, desenhando verónicas cheias de sabor, intercaladas com Chicuelinas de bom traço. No tércio de bandarilhas, Escribano brindou a praça com pares de poder a poder, cravados com verdade e de violino, arrancando ovações das bancadas. No seu segundo toiro quis partilhar o tercio com o bandarilheiro portugues Felipe Proença que cravou um bom par. Na muleta, encontrou pela frente toiros de pouca transmissão e escassa entrega. Demonstrou ofício, recursos e serenidade, sacando séries com o que havia e tapando os defeitos com inteligência.
Emílio de Justo recebeu o seu primeiro oponente com bonitas verónicas, intercaladas com chiquelinas, rematando com uma larga de bom gosto. No quite, Escribano respondeu por delantales. A quadrilha cumpriu com eficácia no tércio de bandarilhas. Na muleta, Emílio iniciou a faena com séries por baixo, com poder, com um remate de trincheira de fino recorte. Seguiram-se duas séries pela mão direita, templadas e de bom traço, embora sem grande repercussão nas bancadas, já que o toiro, algo apagado, transmitia pouca emoção. Pela esquerda, apenas se viu de um em um, com naturais isolados, mas de boa nota e execução limpa. As séries foram sempre bem rematadas com passes de peito, que encerraram com dignidade uma faena que teve mais qualidade do que intensidade. No sexto da tarde, Emílio de Justo voltou a mostrar o seu bom gosto com o capote, recebendo o toiro com verónicas, bem desenhadas. O tércio de bandarilhas foi algo desajustado, sem o brilho desejado... Com a muleta, iniciou a faena com mando, desenhando passes por baixo, rematados com um passe de peito de bela execução. Seguiu-se uma série em redondo de boa nota, mas a faena rapidamente perdeu ritmo. O toiro revelou-se curto de investida, com pouca entrega e tendência para procurar tábuas. Emílio sacou passes isolados, tentando construir diante de um oponente que levava a cara a meia altura e se desligava da muleta. Quis mais do que pôde — e isso ficou evidente numa faena de esforço, mas sem grande transmissão.
Foram lidados seis toiros da ganadaria Rego Botelho, bem apresentados e de jogo variado. Destaque para o nobre terceiro da tarde e para o quarto encastado. Complicado o primeiro, segundo, quinto e sexto com pouca transmissão.
Fez a sua despedida de bandarilheiro esta tarde José Luís Leonardo.
Dirigiu a corrida Leonardo Pires, sendo o médico veterinário Vielmino Ventura.
Crónica Miguel Ortega
27/06/2025 19:26